Capitulo 34
A Cor do Leite e do Sol
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O caminho está tomado pela noite. Os
ombros do homem são cândidos como pombos. Da terra batida por mil gerações
surge “o filho do mal”. Será ele o arauto do Príncipe Negro. Será ele que
abalará a oliveira. Chegou o momento da pestilência. Nos céus aparecerá o
arcanjo, mas será o “filho do mal”. Nos céus aparecerá a luz, mas será o
Príncipe Negro. Lábaros verdes tremularão ao vento e a faca de Caim será limpa
na bandeira que terá a cor do leite e do sol.
Aranha
Negra.
Assim
que terminou o pedido do filho do mal, o falso profeta, aquele que estava por
trás de todas as dificuldades que a Santa Igreja vinha enfrentando, retirou da
mala preta que ele trazia todos os símbolos que preencheriam a seis portas da
Sala Sagrada.
O
falso profeta pegou uma a uma as relíquias que eram verdadeiras joias forjadas
em puro ouro. Colocou-as nas formas que estavam encravadas na porta e toda a
sala de alguma forma começou a se tornar dourada.
O
filho do mal arrancou a força os anéis que trazia o Papa com ele, e com as
joias abriu facilmente o relicário que ficava no chão da Sala Sagrada e para
mais surpresa ainda colocou o Grande Sétimo em seu devido lugar sem a menor
dificuldade.
A
Besta pretendia cumprir o que vinha dizendo aos seus fiéis: “No fim de minha guerra
ascenderei aos céus.”
Ao chegar ao
Vaticano depois de horas de voo, o Pontífice foi recebido por uma comitiva de
péssimas notícias. Na primeira, foi informado por seus assessores de que o
anticristo estava invadindo a Europa pela entrada mais antiga do oriente: a
Turquia. A segunda e provavelmente ainda pior que a primeira, foi a notícia
dada pelos astrônomos do Vaticano: os céus por onde nosso sistema solar atravessava
estava prestes a cair sobre a cabeça dos homens.
- Parece que estamos
agora no olho do furacão não é mesmo Secretário? – falou o Papa numa conversa
particular com seu novo braço-direito.
- Não imaginei que
teríamos tantos problemas assim mesmo antes de chegarmos.
- Você ainda pode
escolher outra missão Eminência. – disse o Papa sorrindo e olhando para o seu
Arcebispo querendo ver a sua reação.
- Já escolhi meu
destino, Santidade. – disse o Arcebispo Secretário de Estado retribuindo a
resposta também com um sorriso.
As nações tinham se
deixado envolver pela astúcia da Besta, agora a sua guerra invadira o mundo sem
que ninguém pudesse combater a sua perversidade. Como serpentes suas forças
invadiram toda a terra e vinha destruindo principalmente as cidades, que
frágeis não conseguiam mais se defender. Poucos lugares do planeta conseguiam
escapar dessas atrocidades.
A guerra das guerras
encontrava-se em pleno curso.
A Besta agora se
manifestara plenamente e claro que em si trazia apenas meia humanidade.
Toda a Europa se
uniu para enfrentar a fera que batia a suas portas. Em vão, os novos aliados da
Besta eram imensamente maiores e já tinham tomado boa parte do planeta com seus
projetos malignos.
O Santo Padre então
convocou os cristãos para uma grande oração na Praça de São Pedro. No dia
marcado o medo se tornou maior que a fé. A maioria da população da metrópole
romana começou a se deslocar para fora da cidade com medo da iminente invasão
daquele exército tomado de vermelho de sangue.
Naquele dia ainda nas
primeiras horas o Santo Padre acordou preocupado e antes que qualquer pensamento
tocasse sua mente ele se levantou ainda de madrugada sentindo uma enorme
necessidade de orar. Sem nem mesmo colocar suas vestes papais saiu lentamente
pelos corredores na direção da sua capela particular.
Ajoelhou-se diante do
altar, abriu o Livro Sagrado e leu para sua alma o Salmo 05:
‘Presta ouvido,
Senhor, ás minhas palavras, atende ao meu gemido! Escuta meu grito de socorro,
ó meu Rei e meu Deus, pois é a ti que suplico: Senhor, de manhã ouves a minha
voz, de manhã dirijo-me a ti e espero. Porque tu, ó Deus, não toleras o mal, o
perverso não pode acolher-se em ti, nem os arrogantes manter-se diante do teu
olhar. Detestas todos os malfeitores, destróis os mentirosos. Ao homem
sanguinário e fraudulento o Senhor abomina. Mas eu, graças ao seu grande amor,
entrarei em tua casa, vou prostrar-me para teu templo santo, em reverência para
comigo. Guia-me, Senhor, em tua justiça, por causa dos meus adversários; aplana
diante de mim teu caminho! Porque em sua boca não há sinceridade, seu interior
é corrupção; sua garganta, um sepulcro aberto; sua língua, lisonja. Ó Deus,
faze-os pagar! Caiam eles nas suas próprias tramas! Expulsa-os por causa de
suas muitas transgressões, porque se rebelam contra ti. Alegram-se os que em ti
buscam refúgio, exultem para sempre! Protege-os, para que rejubilem em ti os
que amam teu nome! Pois tu, Senhor, abençoas o justo e, como escudo, o cercas
de tua benevolência.
Naquele instante sua
alma sentiu o tocar de seu destino.
O Papa se ergueu de
sua postura de joelhos e voltou lentamente ao seu quarto. Os pássaros
anunciavam o começo do dia e ao longe se ouvia o som da guerra tocar a terra
como os trovões tocam o solo em uma tempestade.
Passaram-se poucos
minutos e a porta do quarto sofreu um chamado:
- Santidade,
Santidade. – falava a voz desesperada de seu mordomo sem saber que o Santo
Padre já estava acordado a um bom tempo e continuou falando - estamos a beira
de sermos invadidos pelas tropas vermelhas, nossas bandeiras estão sendo
arrancadas de seus mastros.
O Pontífice abriu a
porta tranquilamente num estado profundamente angelical. Sabia que estava
chegando a sua hora.
- Fique tranquilo
amigo, vamos superar mais essa crise.
- Mas Santidade,
precisamos nos refugiar em outro lugar. – continuou o mordomo que agora tinha a
companhia de seu novo secretário.
- Escutem o que tenho
para dizer. Quero que vocês três acompanhem todos os religiosos e procurem se
proteger pelas casas da redondeza, para que quando a Besta chegar ao Vaticano
tudo esteja aparentemente abandonado.
- Santidade, vamos
ficar juntos até o fim. - disse o novo Secretário Geral.
- Isso é uma
instrução amigo secretário, não um pedido. Quero também que apenas o Chefe da
Guarda Suíça acompanhe-me nessa minha última missão.
Todos sentiram as
palavras envoltas em autoridade e correram para avisar o Chefe da Guarda que já
se encontrava nos corredores para ficar a disposição do Santo Padre.
Enquanto isso o
Pontífice passou por seus livros particulares e pegando um deles se dirigiu a
janela de onde podia olhar para o horizonte. Os céus também já tinham sido
invadidos pelo “filho do mal”. Pôs-se mesmo assim a ler um poema de RabindranathTagore
que falava para sua própria alma:
‘Os negros demônios
do mundo inundaram as colinas.
A postos, remadores,
com a benção da dor em suas almas!
Quem vocês culpam,
irmãos?
Verguem suas cabeças!
Os pecados são seus e
nossos.
A cólera crescendo há
tempos no coração de Deus.
- A covardia do
fraco, a arrogância do forte, a cobiça da prosperidade gorda, o rancor do
perverso, vaidade da raça e insulto do homem –
Explodiu a paz
divina, agitando a tempestade.
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